Walace Ricado da Silva, de 31 anos, foi o único resgatado com vida entre dez pessoas completamente encobertas por terra. Sem poder trabalhar, ele conta com solidariedade para despesas de casa.
O bombeiro civil Walace Ricardo da Silva, sobrevivente do desmoronamento da gruta Duas Bocas em Altinópolis (SP), afirma que a recuperação tem sido difícil e que tem contado com a ajuda da família para superar as dificuldades físicas e psicológicas.
Há um mês, Walace foi soterrado junto com nove colegas durante um treinamento de busca e resgate em cavernas. Ele foi o único resgatado com vida cerca de oito horas após o acidente.
Walace sofreu fraturas no pé direito e no pulso e teve lesões nos braços. Por causa disso, ele sente a perda de força nas mãos já que alguns dedos estão sem movimento. O pé operado recebeu uma placa para ajudar na sustentação do corpo.
“Ainda está sendo muito difícil, porque eu não durmo, é só na base do remédio mesmo. A parte física ainda está muito limitada, os movimentos. Eu não posso sair da cadeira de rodas, eu tenho que depender de ajuda.”
Em casa em Batatais (SP), a irmã do bombeiro civil, Andressa Karina da Silva, ajuda no que pode. É ela quem o auxilia em tarefas simples do dia a dia enquanto a mulher dele está no trabalho.
“A gente faz o almoço, ajuda ele no banheiro para tomar o banho, dá os remédios, coloca ele ali fora para tomar um ar. A gente vem fazendo isso”, afirma Andressa.
O bombeiro civil também se diz traumatizado com a experiência do acidente. “É difícil entender que isso aconteceu, meu psicológico está muito abalado. Eu não sei te falar o que passa na cabeça, não sei colocar para fora.”
Lembranças
Walace lembra com tristeza do acidente na madrugada de 31 de outubro. Ele e mais 27 pessoas participavam de um curso na Gruta Duas Bocas quando parte do teto da caverna desmoronou, soterrando dez pessoas completamente.
“Eu lembro de desmoronar. Eu estava cochilando e quando abri o olho, já estava soterrado. Eu fiquei quieto. Quando me encontraram, perguntaram se tinha alguém ali e eu gritei socorro. Fizeram um buraco para entrar o ar e eu esperei o resgate do Corpo de Bombeiros.”
Segundo o bombeiro civil, a pior parte do resgate foi ver os amigos feridos ao lado dele.
“Quem chegou primeiro foi conversando comigo, me acalmando, e eu fui vendo gente do meu lado desacordado, eu chamava e nem respondia. A gente nunca pensa o pior, eu achava que estava desacordado, né?”
Quando estava embaixo da terra, Walace diz que só pensava em sair da caverna o mais rápido possível.
“A cena que eu mais me lembro é a de estar ali debaixo, precisando sair dali o mais rápido possível. Tinha uma hora que eu não escutava mais ninguém. Quando eles [bombeiros] foram pedir ajuda para me retirar, parece que demora demais, demora muito.”
Sem auxílio da escola
Ao receber alta do hospital cerca de dez dias após o acidente, Walace afirmou que continuaria atuando como bombeiro civil. Mas, ainda em recuperação, ele não pode voltar ao trabalho.
Pai de dois filhos, ele e a mulher têm contado com a solidariedade de amigos e de moradores de Batatais para não passarem necessidade em casa. Ele diz que muitas pessoas doaram dinheiro e se ofereceram até mesmo para pagar contas com a intenção de ajudá-lo.
“A questão financeira é muito difícil. Estou aceitando ajudas. Por enquanto, está amenizado com o que o pessoal ajudou. Paga aluguel, paga perua da escola, compra material de escola e medicamentos caros que eu tomei. Remédios controlados são muito caros.”
No entanto, o bombeiro civil afirma não ter recebido nenhum contato da escola Real Life, responsável pelo treinamento na gruta, com oferta de ajuda. “Não tive contato com ninguém. Nada, nada.”
Famílias das vítimas que morreram também enfrentam o mesmo problema e cobram da empresa Real Life o pagamento de um seguro. Segundo elas, a contratação era obrigatória e foi feita dez dias do treinamento por um dos instrutores morto no acidente.
Investigação
A Polícia Civil ainda não concluiu o inquérito, mas descartou responsabilizar criminalmente o dono da Real Life, Sebastião Abreu, pelas mortes dos nove bombeiros civis.
O laudo da perícia na caverna não aponta uma causa para o acidente, mas sim indícios de que houve uma movimentação na formação rochosa, provavelmente causada pelo solo encharcado em razão das chuvas.
Nos dias que antecederam o treinamento e na data do curso, fortes chuvas foram registradas em Altinópolis. Segundo depoimentos das vítimas à polícia, apesar de o grupo permanecer na caverna durante a noite que antecedeu a tragédia, as atividades já tinham sido suspensas. Eles aguardavam a melhora do tempo para deixar a gruta.
Embora o indiciamento tenha sido descartado, a Polícia Civil afirma que existe a possibilidade de responsabilidade civil da empresa em reparar o dano causado a todas as famílias das vítimas.
Fonte g1